A cena literária contemporânea do país vizinho vive uma explosão, impulsionada, principalmente, pelas escritoras. São muitas as mulheres na literatura argentina que estão ganhando o mundo, conquistando prêmios literários e sendo traduzidas para muitas línguas. Uma dessas autoras é Carla Maliandi, autora de "O quarto alemão", que foi entregue na caixinha de maio da Amora.
Carla nasceu na Venezuela, em 1976 e é filha dos filósofos argentinos Ricardo Maliandi e Graciela Fernández, que foram forçados a deixar o país durante a ditadura militar. Premiada dramaturga, diretora de teatro e escritora, integra o coletivo Rioplatenses, que produz e edita textos de mulheres da região de Rio de La Plata. "O quarto alemão", seu primeiro romance, foi apontado por diversos críticos como um dos melhores livros lançados em 2017, conquistou vários prêmios e foi publicado em inglês, alemão e francês antes de chegar ao Brasil, no final de 2020. Os direitos autorais da obra foram vendidos para o cinema, mas ela afirma que fazer o roteiro não está em seus planos. Nessa entrevista, realizada em Buenos Aires, onde ela vive e atua, também, como professora na licenciatura de Artes da Escrita, na Universidad Nacional de las Artes.
A protagonista de "O quarto alemão" vive o presente. Vai tomando decisões ao longo do caminho, sem muito planejamento. Este é um modo de vida com o qual você se identifica?
É possível, mas prefiro não tomar como referência as minhas características pessoais quando construo uma ficção. Com certeza, é impossível que não se filtrem características dos autores nos narradores, mas não costumo me interessar por esse aspecto psicológico na construção dos personagens. Penso nessa dificuldade de decidir da narradora mais associada a um clima narrativo do que a um aspecto autobiográfico.
Achei notável como a Sra. Takahashi invadiu a vida da narradora. Ela foi arrebatadora! Foi uma personagem pensada desde o início ou foi crescendo e ganhando espaço lentamente?
Foi crescendo surpreendentemente. Como também surpreendentemente sua filha desaparecer da trama antes que eu mesma me propusesse. Gostei muito de imaginar a Sra. Takahashi porque existe nela um mistério, uma forma de dor, e um desconcerto diferente dos demais personagens.
Todos os personagens são chamados pelo nome, menos a narradora, que é a personagem central da trama. Por que essa escolha?
Porque ao estar narrada em primeira pessoa, quase não existe a necessidade de nomear-se a si mesma. Na metade do romance, enquanto o escrevia, estive prestes a colocar-lhe um nome, mas me pareceu que seria falso e descartei a ideia. Acho que esse vazio que deixa o seu nome abre uma porta para a leitura, para ver o que ela vê como se fossemos ela.
Como leitora, que obras foram transformadoras na tua vida?
Muitas! Diria que principalmente algumas obras de teatro (Shakespeare, Lorca, Heiner Müller, Sófocles). Na narrativa não sei se as obras transformaram minha vida, mas sim minha maneira de entender a literatura. O arco é também muito amplo, desde Cervantes até Manuel Puig e Sarah Gallardo.
Você tem o hábito de ler mulheres? O que você acha destes movimentos que incentivam a leitura de narrativas escritas por mulheres?
Não sei se faz parte de um hábito de leitura. Simplesmente acho que a literatura contemporânea mais interessante está sendo escrita por mulheres e dissidências. Certamente isso sempre esteve latente, mas as condições para publicar no século XIX, ou na primeira metade do século XX, logicamente, não eram as mesmas. Acredito que devemos muito a essas primeiras escritoras que tiveram a coragem de publicar seus textos, quando tornar-se "públicas“ significava mais uma desonra que um prestígio.
Você lê escritoras brasileiras? Quais?
Tive, como a maioria, minha época de fascinação por Clarice Lispector. Agora estou prestes a viajar ao Brasil, a um festival, e um dos meus principais objetivos é conhecer mais e trazer livros de literatura brasileira contemporânea.
O que você acha desse boom de escritoras argentinas pelo mundo? Você acredita que haja uma identidade comum na sua escrita? Temas, linguagem ou como se posicionam frente a determinados temas?
Não sei, acho que a literatura escrita por mulheres no meu país é muito boa e muito diversa. Isso também a faz interessante.
Qual a diferença entre escrever peças de teatro e romances?
No meu caso, sempre que escrevi para o teatro, estive muito atenta às condições de produção que a obra poderia ter para ser montada. A escrita de um romance, nesse sentido, te proporciona mais liberdade. Ao mesmo tempo, é uma ação muito mais solitária.
Os direitos do Quarto Alemão foram vendidos para o cinema. Você vai escrever o roteiro?
Não está nos meus planos.
O que aconteceria se o livro tivesse mais 50 páginas?
Nem ideia! E se eu tivesse alguma ideia argumental de como seguiu a história da narradora, não a diria. Uma das coisas mais legais da recepção do romance pelo público em geral foram algumas das hipóteses dos leitores sobre “o que ocorreu depois”. O que eu posso dizer, é que o ponto onde termina o relato é um ponto de inflexão na história. Voltando à primeira pergunta desta entrevista, a situação onde a protagonista se colocou lhe exigirá começar a tomar algumas decisões.
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